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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Saudades De Mim

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Saudades de Mim

Minha infância aconteceu nos longínquos anos 60. Época de doideira, a qual sempre observei com olhos atentos de criança. Boa parte desse período vivido no Rio, terra de minha mãe, onde passava ao menos 3 meses por ano. De lá veio boa parte da cultura mais viva daquele período. Eram tempos intensos. Militares no poder. Surgia a Rede Globo de Televisão. Satélites unindo a comunicação pelos 4 cantos do mundo. Moças vestindo biquinis cada vez mais curtos nas praias. Garotões deixando crescer o cabelo. Passeatas de protestos. Festivais da canção. Beco das Garrafas. Jovem Guarda. Feira Hippie. Drogas. Drogas. Drogas. Muita droga. E a criança só observando.

Nas temporadas na casa de vovó, em Niterói a então capital do Estado do Rio, do outro lado da baía de Guanabara, o convívio com a primaiada. Em especial as duas primas que moravam em Petrópolis, cidade serrana fluminense, com quem dividia boa parte daqueles períodos de férias. Se aqui em Porto Alegre éramos 2 meninos, lá em Petrópolis eram duas meninas e, você sabe, mulheres têm raciocínio, hábitos e práticas diferente dos rapazes. O que nos unia, além do laço familiar, era o fato das idades próximas -uma delas nasceu horas antes de mim, o que agregou cabelos brancos à nossa vó que teve de optar por qual filha abraçar naquele momento. 

Crescemos juntos e as brincadeiras sempre partiam delas. Subíamos a Serra dos Órgãos amiúde, não apenas para as visitar, mas também porque a família do pai delas tinha um laboratório bioquímico farmacêutico que produzia o único remédio capaz de aplacar meus ataques de asma. Por ser um laboratório de produção pequena, a medicação não chegava às farmácias. Somente indo lá buscar. Os tempos eram outros, então tínhamos de inventar coisas pra fazer, especialmente brincadeiras.

Crescer nos anos 60, em meio a toda aquela agitação cultural era divertido e o universo imaginário sempre nos permitia criar algo. Uma vez elas apareceram com um violão, mas o repertório que tocavam e cantavam me doía nos ouvidos. Foi quando dei um jeito de aparecer com uma vitrolinha, portátil, a pilha. Quase nenhum disco, então começamos a pedir discos de presente aos familiares. Na época existia um vinil chamado Compacto Simples, com apenas uma música de cada lado, que custava baratíssimo. Então, em vez de gastarmos as merrecas aquinhoadas, em lanches ou auto-choque no Campo de São Bento, os Pilas viravam discos. E assim vieram canções da moda, na maioria românticas em função da época. Até mesmo um hit de Paulinho Nogueira, interpretado pelo jovem galã das primeiras novelas da Globo, Cláudio Cavalcanti, foi parar na vitrolinha. Ou Evinha e seu Trio Esperança, Golden Boys, Tony Tornado, Nara Leão, Jair Rodrigues, Wilson Simonal e tantos outros que fizeram minhas primeiras alegrias, quando as primas convidavam algumas amigas, abaixávamos a luz e colocávamos a vitrolinha a tocar e tirávamos as gurias pra dançar. Daí pra deixar de ser criança, foi um pulo.


Depois de dançar juntinho, sentir os cheiros das meninas, sentir que umas se aproximavam mais, ou abraçavam de um jeito diferente, ou ainda deixavam a cabecinha sob meu ombro, despertou em mim outra coisa, que ainda está latente até hoje. Saudades da minha inocência, mas esta, como os anos 60, não volta mais