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segunda-feira, 27 de junho de 2022

Café Sem Máscara

O Domingo amanheceu diferente. Depois de 40 dias e 40 noites não havia mais chuva e o céu insistia em estar claro, até um tanto azulado. Havia até um clarão um tanto alaranjado que insistia em brilhar, parecendo coisa de série de algum canal de “streaming”. Aí bateu aquela vontade de tomar um café. Tento não fazer isso em casa, a ponto de nem ter café em casa. As máquinas pra fazer isso eu já doei faz tempo. Senão, eu solitário e no “home office” vou ingerir tamanhas quantidades disso que meu estômago vai virar uma peneira.

Partiu postinho, onde as meninas só me tratam bem e a máquina prepara sempre um expresso igual. Gostava do café do Nacional, onde encontrava o Reni, um bom papo, já que fica na esquina da casa dele. O Cassiá, outra figura do bairro, também, mas a pandemia fechou o café. Então só me resta o postinho, para onde rumei e, para minha agradável surpresa fui atendido por uma jovem sorridente e sem máscara. Confesso que, depois de tanto tempo sendo atendido por pessoas mascaradas, fiquei atônito. Ela exibia lindamente um sorriso que emoldurava seu “piercing” labial.
Os olhos delineados e o rosto levemente maquiado. Definitivamente ela se produziu antes de sair de casa para ir trabalhar ainda mais bela do que a mãe natureza a colocou entre nós. Aí o café ganha um sabor especial. Ver seu pequeno nariz mexer quando falava algo, ou ao sorrir, foi um tempero especial para minha bebida quente matinal. Valeu cada gole.
Manhã de Sol, festa de luz e o Poli a caminhar pela imensidão da Perimetral, que até ontem era um dilúvio por onde os ônibus que aqui passam pareciam terem sido substituídos pela Arca de Noé. Chuva é bom, é vida e faz bem ao solo, mas não precisa cair por tanto tempo seguido. Viver num mundo plúmbeo é coisa para “Blade Runner”, ou batráquios. Nada como a luz do Sol, um bom café e um sorriso. Sem máscara

sexta-feira, 27 de maio de 2022

David Coimbra Generator

 Há 20 anos, quando isso aqui ainda era mato ainda bem porque a internet era à lenha, havia uma febre de geradores de textos, memes, dublagens ou créditos na sua língua para cenas famosas. Lembro que, na época, criei um gerador de crônicas no formato do colunista mais lido nos Jornais -no tempo da internet à lenha eles ainda existiam. Era o David Coimbra Generator.

Quem quisesse escrever uma crônica como as dele, bastava seguir o passo-a-passo:

Siga os seguintes passos para escrever crônicas como Davi Coimbra:

  • Comece por determinar uma região do seu torrão natal, como sendo o lugar onde se criou:
  • Dê vida aos personagens:
  • Insira uma ação ou situação de polêmica:
  • Encaminhe o desfecho:
Quer ver como funciona na prática? Olha só:

Começo por determinar uma região do meu torrão natal, como sendo o lugar onde me criei:

  • Cresci batendo pernas entre a Coronel Bordini, rua onde o bonde fazia a curva, local de minha residência e a Praça Júlio, onde moravam os Meneghetti. No meio do caminho, subindo pela 24 de Outubro, passava pelo Yellows, pela Girafa Cor-de-Rosa, onde vivia o Paulinho e pelo Elefante Branco que era o Floragê. Duas quadras acima, em frente ao escombro do Prado Velho, em que mais tarde a municipalidade construiu o Parcão, para gáudio dos Colorados deste Sul de Mundo, em frente ao qual cheguei a cursar inglês no Yazigi, outro lado da rua de onde montaram um Tobogã -lembro de um Dia das Crianças em que o dono liberou o ingresso e toda a piazada da redondeza se empilhou com sacos de estopa nas mãos- mesma quadra onde também morava o Rivinha. Da esquina onde moravam os irmãos Claudio, Zizo e Neco da Poian e o Gordo Eugênio, subia-se mais e na outra encruzilhada construíram uma galeria onde instalou-se o Guga’s, na quadra onde viviam o Toninho e sua esplendorosa irmã, a Vica. Passando a esquina, onde ficava o postinho, vinha a curva da 24, onde morava a família Loureiro da Silva -dois guris, o Zé e o Pedro e 4 lindas gurias; Lizete, Clarissa, Andrea e Corina. A partir daquela curva, as quadras do Parque de Tênis e aquela beleza ajardinada da Caixa D’Água. A quadra seguinte começava por um cortiço, em frente a dois sobrados geminados de 3 andares, para um dos quais nos mudamos. Por fim, a Vila Jardim Cristoffel, a Praça Júlio, a avenida Independência e o calçadão do Esplanada local do Joe’s, onde imperava a Gorda Cida.

Dar vida aos personagens:

  • Aos 5 anos ingressei no Colégio Farroupilha, pra onde ia no ônibus do Seu Mário. Na condução conheci o Toninho e sua linda irmã Vica. Brigávamos o tempo todo, pois ele não gostava do jeito que eu olhava pra ela. Pra poder rolar a pancadaria, os demais passageiros no fundão tinham de fazer barulho, normalmente alguma cantoria de sucesso da época que todos soubessem de cor e ficarem de pé, pra encobrir a pugna, enquanto rolávamos pelo chão ou assentos dos banco traseiros. Caso o Seu Mário descobrisse a briga, brecava o ônibus, empunhava um pedaço de mangueira que carregava embaixo do banco e usava pra chupar gasolina do carro de algum pai generoso, quando seu velho Chevrolet sofria pane seca. Apartava a briga a golpes de mangueira e expulsava do ônibus os valentões, que teriam de queimar aquela energia caminhando a pé pra casa, em plena hora do almoço. Ainda no trajeto da 24 de Outubro, Seu Mário pegava os Loureiro e lá na Praça Júlio os irmãos Alberto, Renato e Eduardo Meneghetti, de quem fiquei amigo e especialmente o mais velho, Alberto, grande fotógrafo, publicitário disputado pelo mercado e visionário. Tudo isso que surpreendeu os porto-alegrenses com a vinda do South Summit e seu congresso de “start ups” ele já vem desenvolvendo e mentorando há anos

Inserir uma ação ou situação de polêmica:

  • Ali fui seduzido pelo tabagismo. Quase todos fumavam e os mais velhos, depois de fumar o último crivo, davam os maços vazios aos mais jovens, que os colecionávamos como figurinhas. Ainda não tinham lançado os álbuns de figurinhas e colecionar maços de cigarro ocupava aquela função. Eu ia ao Rio duas vezes por ano, nas férias escolares, pois tive a sorte de ser filho de uma carioca. Na bandeja do almoço do voo 100, a bordo do Electra da Varig, além da magnífica refeição completa -da entrada à sobremesa, passando pela salada e o filé com acompanhamento- havia um estojinho com 4 cigarros Minister, os quais eu fumava escondido dos pais… e assim fui aprendendo a fumar. Paulinho e Rivinha também eram tabagistas, aliás o Riva fuma até hoje. Paulo parou depois de um susto dia desses, mas gostávamos de perscrutar marcas internacionais, que encontrávamos na Avenida América, lá no pé da Bordini ou num outro contrabandista ali na 24 perto da Lucas. Na época não havia Parliament no Brasil, só de contrabando. O mesmo valia para Chesterfield e Marlboro. Gastávamos quase toda mesada em fumaça de tabaco importado.

Encaminhar o desfecho:

  • Essa gurizada foi crescendo e assistindo as mudanças no entorno. Foi construído o Parcão, os bondes deixaram de circular pela 24 e Bordini, o Yellows fechou, a turma da bicicleta deixou de se reunir na Vila Jardim e calçadão do Esplanada, o pai vendeu nossa casa de pátio imenso para o governo da Alemanha construir o Instituto Goethe, os contrabandistas foram perdendo seu mercado para a indústria oficial, o 5ª Avenida Center tomou o local do cortiço, a Independência inverteu a mão que conduzia ao Centro, bem como eu troquei o cachorro-quente de 30cm do Joe’s -que também fechou- pelo cachorrinho da Princesa, na outra ponta da avenida. O que não mudou foi a amizade que fiz com toda essa gente que pertenceu ao meu universo da 24 de Outubro na juventude. Há poucos dias fui almoçar com Paulinho e Rivinha; os irmãos da Poian viraram grandes empreendedores em diferentes locais do país, bem como o Gordo Eugenio que, na ausência do Planeta Atlântida construiu o Cais Embarcadero; encontrei com o Meneghetti caminhando por nossa rua, a Gorda Cida eu vejo sempre que vou a um parque nos domingos onde ela esteja promovendo algum jovem artista da cena roqueira e a Vica continua linda, pena que se casou com outro. Ah… e que o Toninho não leia isto, pois estamos velhos demais para voltar a trocar socos.
Fica aqui minha homenagem ao Jornalista gaúcho que partiu nesta sexta-feira. Um dos melhores cronistas aqui do Sul do Mundo, David Coimbra, que partiu deixando esta escola singela de escrita, além de tantas outras qualidades na carreira jornalística.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Duas Brahmas e Um Ensopado de Búfalo

Tenho dois hábitos de vida toda, não importa onde esteja:
1- caminho, mas caminho muito; meus pés ensinam ao cérebro a geografia do local onde esteja, é a conexão
2- quando canso, entro num bar e bebo e bebo muito, até o cérebro desconectar
Normalmente faço isso quando estou só e minhas melhores viagens foram feitas na solidão, logo não levo problemas, nem os crio. É só solução… e alguns soluços eventualmente.
Uma vez estava em San Francisco, California, que vocês sabem é que nem Porto Alegre, pois a cidade começa no porto, “downtown” e sobe pela Borges de Medeiros, digo Market Street -até hj não entendi pq a Borges não se chama rua do Mercado. Quando estava começando a cansar aparece um “junkie” e pede: “hey bro, can you spare 20 thousand Dolars..?” Ri, meti a mão no bolso, peguei uma moeda, atirei pra ele e notei que ele estava em frente a um bar que dizia no letreiro: “mais de 480 cervejas do mundo todo”. Pareceu um bom lugar pra beber umas.

Entrei, olhei o pequeno bufê, onde notei um ensopado de búfalo e pensei: “vou encher a cara e depois comer isso, que na certa vai me dar aquele desarranjo, mas vou poder um dia contar a história de que enchi a cara num boteco que vendia 480 marcas de cerveja e onde comi um ensopado de búfalo que deixou memória”. Você pode não acreditar, mas no interminável cardápio de cervejas tinha até Brahma Beer. Eu, do outro lado do planeta, só e abandonado, sem eira nem beira, apenas com solado pra andar outro tanto e chutar as latas pelo caminho, gostei e fui ficando. E bebendo. Até o cérebro desconectar.
É o momento em que saio do corpo e viajo. Fica ali no balcão aquele corpanzil inerte, mas a imaginação viajando pelo cosmos qual um Gagarin tupiniquim. Até que, pelas tantas, ouço em meu ouvido: “Marco Aurélio”. Pensei fazer parte da viagem, já que a possibilidade de alguém ter esta informação privilegiada, do outro lado do planeta é nenhuma, nem despertei, mas a requisição se repetiu: “Marco Aurélio”. Pombas, só minha mãe me chamava assim, afinal foi ela quem me deu esse nome ao convencer meu pai que preferia Marco Antonio, argumentando que este último era um grande General, mas o primeiro foi Imperador.
E no terceiro “Marco Aurélio” decidi despertar. Faço isso amiúde, pois me nego a sair do torpor, cujo investimento foi alto, a menos que a situação realmente pareça séria, como era o caso. Uma vez, no extremo sul da ilha de Santa Catarina aconteceu o mesmo, até que lá pela terceira vez que ouvi meu nome despertei ao chamado do Gilberto Simões Pires e aquele seu vozeirão característico, ele que ama Floripa e gasta boa parte do ano por lá. Era um daqueles locais em que você espera uma eternidade por uma mesa, enquanto isso bebe trocentas caipirinhas e gasta uma fortuna, como todos os pontos afamados da ilha da magia.
Mas voltando a San Francisco e ao “Marco Aurélio” -só ex-colegas me chamam assim desde que mamãe deixou este mundo- despertei e olhei pra trás e vi o filho do seu Olavo. Quais as chances de isso acontecer? Você estar em outro hemisfério, sozinho, enchendo a cara num boteco desconhecido e o filho do bedel do colégio onde estudou te reconhecer e vir falar contigo? Pois é, essas coisas acontecem comigo.
Ele contou que morava e estudava do outro lado da baía, em Berkeley, mas veio até ali matar as saudades de uma Brahma Beer. Foi o que bastou. Chamei o garçon e pedi: “duas brahmas e um ensopado de búfalo”.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Não Se Faz Amigos Bebendo Leite

A tarde começou promissora na Rádio Guaíba, convidado por Guilherme Baumhardt para debater os assuntos do momento com alguém que tem a política no sobrenome, Enio Meneghetti, neto do único gaúcho que bateu Leonel Brizola em uma eleição -à Prefeitura de Porto Alegre, em 1951- e com Jefferson Jaques, do Instituto Methodus, um dos mais sérios e acreditados no campo da pesquisa eleitoral.

Depois de muitos cafezinhos e duas horas de debates, saí do ar condicionado do estúdio e enfrentei uma quadra e meia dos 88º que faziam na Praça da Alfândega em direção ao Bar Tuim para beber um cremoso e estupidamente gelado chope tirado pelo Marquinhos Gaiteiro, que me indicou a cadeira mais gelada do estabelecimento. Para minha alegria, o proprietário André aproveitou o período fechado entre Natal e Ano Novo para fazer a manutenção dos aparelhos de ar refrigerado. Era tudo que eu queria, fora os famosos bolinhos de bacalhau da casa.

Não tive vontade de sair dali e voltar a enfrentar a canícula. De repente sentam à mesa da frente um distinto advogado e um argentino. Parecem ser bons amigos, mas encontram alguma dificuldade na comunicação. Até que o brasileiro fala algo sobre a prefeitura e o prefeito local ao que o “hermano” diz: “prefectura es la que cuida de assuntos navales”. O distinto causídico tentou criar uma figura que fizesse o portenho compreender do que se tratava, mas a coisa não evoluiu. Meti meu pitaco, mesmo sem ser convidado, afinal se trata de um boteco: “alcaide…” E o boludo sorriu aliviado: “ah… alcaide”. Ao que o jurista olha pra mim, agradece e se apresenta: “me conhecem por Nico, sou advogado, meu escritório é aqui em cima, faltou luz e desci pra me gelar”. Como ele se apresentou, fiz o mesmo: “me chamo Marco Poli, Jornalista e acabo de sair da Rádio Guaíba, onde me apresentei no Boa Tarde Brasil”. Foi o que bastou para meu mais novo amigo de infância desfiar seu amor pelo rádio, falando de grandes nomes do meio de quem foi colega e das saudades que tem dos tempos em que trabalhou na Rádio Fandango. Veja só; eu acabava de sair do programa de rádio de um cachoeirense e estava bebendo com outro, que também foi do meio, até se tornar advogado. Daí o Nico informa que estudou e se formou na Fabico, mas quando voltou a Cachoeira do Sul, a família insistiu que ele fosse fazer um curso “sério” e tivesse uma profissão de verdade e tal… foi quando o interrompi; e quando foi que ingressou na Fabico? Ele respondeu: “1982”. Perguntei novamente: “tinha um bar lá?” A resposta foi positiva. Fiz minha derradeira pergunta: “qual o nome do bar???” Ele puxou da memória, até que saiu: “se bem me lembro era… Bar do Poli!!!” Explodiu em gargalhadas: “eu sabia que te conhecia..!”

Chega mais um distinto operador do Direito, desta vez um Procurador Municipal, conversa um pouco, dá algumas risadas, mas vai sentar-se lá fora, no recém reconstruído “deck” de madeira sobre a rua da Ladeira, que ganhou até asfalto novo. A essas alturas já falávamos de política e o cidadão que estava sentado na outra mesa do fundo mostrou-se interessado e conhecedor da matéria, dando seus pitacos e desfiando suas verdades. E assim a tarde passou.

Quando o Procurador retornou, extenuado pelo calor que fazia lá fora, estava contando aos amigos que era noite da maravilhosa Maria Luíza Benitez se apresentar no Parangolé e todos gostaram da ideia. “Vamos lá” disse o Nico, mas o argentino pediu para ir pra casa. Eu levo ele lá, depois volto pra te pegar e vamos todos pra Cidade Baixa. Enquanto isso o amigo que tecia teses políticas pediu ao Marquinhos que me entregasse aquele presente. O Gaiteiro vai lá no canto, pega um pacote enfiado numa sacola de papel e me entrega. Achei estranho quando antes, do nada já que falava de política, ele perguntou se eu sabia qual o scotch mais vendido no mundo. Eu disse que não sabia, mas achava que era o Johnie Walker. Ele foi peremptório: “nada disso, é o Famous Grouse”. Pois não é que o tal presente era um garrafão de 1,75L de Famous Grouse? Só em boteco acontece esse tipo de coisa. Eu não conhecia os caras há 2h e um deles já ia me levar pra noite e o outro me presenteou aquele uísque sensacional.

Nisso o Procurador avisou: “o Nico não vem. Vou mandar o motorista encostar o carro e vamos indo”. Pensei que ia chamar um app, mas quando fez o sinal pra irmos que notei que o carro tinha uma pilha de processos no banco de trás. Aquele eram o carro e o motorista dele. Convidei antes o amigo que me presenteou a birita, mas ele falou que ia dar problema com a patroa se não fosse pra casa… e nos fomos pra CB. Lá chegando Malu e seus fieis escudeiros, o bandeonista Jonatan Dalmonte e o guitarrista Silfarnei Alves. Pareceu ter ficado feliz ao me ver e logo começou a cantar “Por Una Cabeza”, de Carlos Gardel em parceria com o gaúcho Alfredo LePera e, cuja lenda diz que os chifres tomados pelo argentino que sofre no tango foram tomados aqui no RS, estado onde se passa a carreira de cancha reta em que o “nobre potrillo” afrouxa na chegada e perde a corrida, tanto quanto o amante traído perde a aposta, provando que havia casos em que não se tem sorte nem no jogo, tampouco no amor. O detalhe: apesar da nossa cantora maior interpretar este tango desde sempre, simplesmente esqueceu da letra no meio, tendo que socorrer-se do livro e, ainda comenta: “só porque o Poli chegou, esqueci da letra”. Este gordo vaidoso sentiu-se muito homenageado.

Na hora da pausa ela veio beber algo conosco e, instantaneamente, ela e o Procurador se conectaram. Aquele tipo de coisa do astral. Ela, uma índia xamã que exerce curas em Itapuã, na boca da Lagoa dos Patos. Ele, um cara que morou meia-dúzia de anos em Brasilia, local que dizem ser rico em todos os processos espirituais e discos-voadores presentes no universo. Ele passa uma mensagem pelo cel, que pouco depois toca. Era a irmã dele dizendo que seu filho, sobrinho do meu amigo, tinha passado pelo sítio da Malu naquela tarde. Não existem coincidências amiguinhos y yo no creo en las brujas, pero…


Que tarde e noite. E quanta gente especial posta em meu caminho.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Dia de Reis

Tinha ficado solteiro, pela primeira vez, no auge dos meus 35 anos. Casei cedo, então enquanto quase todos os amigos se divertiam na galinhagem típica da juventude, eu formava família. Só que meu período enjaulado encerrou e ainda havia fervor juvenil de sobra pulsando em minhas veias. Parecia gordo em churrascaria rodízio: se empanturrando no buffet, comendo todas as delícias fritas que os garçons colocam à mesa, lambendo os beiços com frango, coraçãozinho, linguiças e, na hora em que chegam a picanha, as carnes nobres, já não sobra mais espaço pra aproveitar o melhor em oferta. 

Sim a falta de experiência fez com que eu me atrapalhasse na gandaia, nos primeiros meses, até que um amigo mais quilometrado na estrada da vida me aconselhou: “escolhe uma só e concentra a atenção nela; vai notar que as demais farão tudo pra chamar tua atenção”. Ouvi a voz da experiência e arrumei uma namorada. Naquele fim de semana a levei para Garibaldi. Ficamos no hotel Casacurta e, naquela noite descemos ao restaurante pra um jantar romântico.


O local é aconchegante, o cardápio estava impecável e o champanhe idem. Já que a cidade serrana gaúcha é a única fora da França onde existe licença para rotular espumante pela denominação de champanhe. Pra ser perfeito, faltava só aquela surpresa especial e… eis que ela surge na hora da sobremesa. Era um 6 de janeiro e adentrou o recinto um Terno de Reis. Dois violeiros e um acordeonista, como bem sugere a tradição italiana da terra de meu pai.


Pararam junto à mesa de entrada, tocaram uma canção dos “oriundi”, olharam para os comensais que aplaudiram, agradeceram e só. Ato contínuo abandonaram a mesa, seguindo em direção à minha. Chegaram tocando. A namorada apresentava o brilho perfeito nos olhos. Terminaram a primeira canção. Enquanto isso eu os observei. Eram uns tiozão, bem vestidos que, apesar de tocarem bem, não tinham jeito de músicos profissionais. Não pareceu que estivessem tocando por trocados. Então, enquanto a namorada extasiada beijava cada um deles, chamei o garçon e pedi mais um champanhe e 3 taças. O sorriso dos tios deixou claro que eu havia entendido bem a situação. Empinaram a primeira taça e fizemos um brinde ao Dia de Reis. 


Aliás, meu melhor Dia de Reis, na verdade minha melhor Noite de Reis, pois aqueles brindes se repetiram, mais garrafas foram abertas e quando os “cantante” se retiraram várias músicas depois, chegou a hora de voltar ao quarto do hotel. Aí, quem ganhou presente de Reis fui eu.