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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Não Se Faz Amigos Bebendo Leite

A tarde começou promissora na Rádio Guaíba, convidado por Guilherme Baumhardt para debater os assuntos do momento com alguém que tem a política no sobrenome, Enio Meneghetti, neto do único gaúcho que bateu Leonel Brizola em uma eleição -à Prefeitura de Porto Alegre, em 1951- e com Jefferson Jaques, do Instituto Methodus, um dos mais sérios e acreditados no campo da pesquisa eleitoral.

Depois de muitos cafezinhos e duas horas de debates, saí do ar condicionado do estúdio e enfrentei uma quadra e meia dos 88º que faziam na Praça da Alfândega em direção ao Bar Tuim para beber um cremoso e estupidamente gelado chope tirado pelo Marquinhos Gaiteiro, que me indicou a cadeira mais gelada do estabelecimento. Para minha alegria, o proprietário André aproveitou o período fechado entre Natal e Ano Novo para fazer a manutenção dos aparelhos de ar refrigerado. Era tudo que eu queria, fora os famosos bolinhos de bacalhau da casa.

Não tive vontade de sair dali e voltar a enfrentar a canícula. De repente sentam à mesa da frente um distinto advogado e um argentino. Parecem ser bons amigos, mas encontram alguma dificuldade na comunicação. Até que o brasileiro fala algo sobre a prefeitura e o prefeito local ao que o “hermano” diz: “prefectura es la que cuida de assuntos navales”. O distinto causídico tentou criar uma figura que fizesse o portenho compreender do que se tratava, mas a coisa não evoluiu. Meti meu pitaco, mesmo sem ser convidado, afinal se trata de um boteco: “alcaide…” E o boludo sorriu aliviado: “ah… alcaide”. Ao que o jurista olha pra mim, agradece e se apresenta: “me conhecem por Nico, sou advogado, meu escritório é aqui em cima, faltou luz e desci pra me gelar”. Como ele se apresentou, fiz o mesmo: “me chamo Marco Poli, Jornalista e acabo de sair da Rádio Guaíba, onde me apresentei no Boa Tarde Brasil”. Foi o que bastou para meu mais novo amigo de infância desfiar seu amor pelo rádio, falando de grandes nomes do meio de quem foi colega e das saudades que tem dos tempos em que trabalhou na Rádio Fandango. Veja só; eu acabava de sair do programa de rádio de um cachoeirense e estava bebendo com outro, que também foi do meio, até se tornar advogado. Daí o Nico informa que estudou e se formou na Fabico, mas quando voltou a Cachoeira do Sul, a família insistiu que ele fosse fazer um curso “sério” e tivesse uma profissão de verdade e tal… foi quando o interrompi; e quando foi que ingressou na Fabico? Ele respondeu: “1982”. Perguntei novamente: “tinha um bar lá?” A resposta foi positiva. Fiz minha derradeira pergunta: “qual o nome do bar???” Ele puxou da memória, até que saiu: “se bem me lembro era… Bar do Poli!!!” Explodiu em gargalhadas: “eu sabia que te conhecia..!”

Chega mais um distinto operador do Direito, desta vez um Procurador Municipal, conversa um pouco, dá algumas risadas, mas vai sentar-se lá fora, no recém reconstruído “deck” de madeira sobre a rua da Ladeira, que ganhou até asfalto novo. A essas alturas já falávamos de política e o cidadão que estava sentado na outra mesa do fundo mostrou-se interessado e conhecedor da matéria, dando seus pitacos e desfiando suas verdades. E assim a tarde passou.

Quando o Procurador retornou, extenuado pelo calor que fazia lá fora, estava contando aos amigos que era noite da maravilhosa Maria Luíza Benitez se apresentar no Parangolé e todos gostaram da ideia. “Vamos lá” disse o Nico, mas o argentino pediu para ir pra casa. Eu levo ele lá, depois volto pra te pegar e vamos todos pra Cidade Baixa. Enquanto isso o amigo que tecia teses políticas pediu ao Marquinhos que me entregasse aquele presente. O Gaiteiro vai lá no canto, pega um pacote enfiado numa sacola de papel e me entrega. Achei estranho quando antes, do nada já que falava de política, ele perguntou se eu sabia qual o scotch mais vendido no mundo. Eu disse que não sabia, mas achava que era o Johnie Walker. Ele foi peremptório: “nada disso, é o Famous Grouse”. Pois não é que o tal presente era um garrafão de 1,75L de Famous Grouse? Só em boteco acontece esse tipo de coisa. Eu não conhecia os caras há 2h e um deles já ia me levar pra noite e o outro me presenteou aquele uísque sensacional.

Nisso o Procurador avisou: “o Nico não vem. Vou mandar o motorista encostar o carro e vamos indo”. Pensei que ia chamar um app, mas quando fez o sinal pra irmos que notei que o carro tinha uma pilha de processos no banco de trás. Aquele eram o carro e o motorista dele. Convidei antes o amigo que me presenteou a birita, mas ele falou que ia dar problema com a patroa se não fosse pra casa… e nos fomos pra CB. Lá chegando Malu e seus fieis escudeiros, o bandeonista Jonatan Dalmonte e o guitarrista Silfarnei Alves. Pareceu ter ficado feliz ao me ver e logo começou a cantar “Por Una Cabeza”, de Carlos Gardel em parceria com o gaúcho Alfredo LePera e, cuja lenda diz que os chifres tomados pelo argentino que sofre no tango foram tomados aqui no RS, estado onde se passa a carreira de cancha reta em que o “nobre potrillo” afrouxa na chegada e perde a corrida, tanto quanto o amante traído perde a aposta, provando que havia casos em que não se tem sorte nem no jogo, tampouco no amor. O detalhe: apesar da nossa cantora maior interpretar este tango desde sempre, simplesmente esqueceu da letra no meio, tendo que socorrer-se do livro e, ainda comenta: “só porque o Poli chegou, esqueci da letra”. Este gordo vaidoso sentiu-se muito homenageado.

Na hora da pausa ela veio beber algo conosco e, instantaneamente, ela e o Procurador se conectaram. Aquele tipo de coisa do astral. Ela, uma índia xamã que exerce curas em Itapuã, na boca da Lagoa dos Patos. Ele, um cara que morou meia-dúzia de anos em Brasilia, local que dizem ser rico em todos os processos espirituais e discos-voadores presentes no universo. Ele passa uma mensagem pelo cel, que pouco depois toca. Era a irmã dele dizendo que seu filho, sobrinho do meu amigo, tinha passado pelo sítio da Malu naquela tarde. Não existem coincidências amiguinhos y yo no creo en las brujas, pero…


Que tarde e noite. E quanta gente especial posta em meu caminho.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Dia de Reis

Tinha ficado solteiro, pela primeira vez, no auge dos meus 35 anos. Casei cedo, então enquanto quase todos os amigos se divertiam na galinhagem típica da juventude, eu formava família. Só que meu período enjaulado encerrou e ainda havia fervor juvenil de sobra pulsando em minhas veias. Parecia gordo em churrascaria rodízio: se empanturrando no buffet, comendo todas as delícias fritas que os garçons colocam à mesa, lambendo os beiços com frango, coraçãozinho, linguiças e, na hora em que chegam a picanha, as carnes nobres, já não sobra mais espaço pra aproveitar o melhor em oferta. 

Sim a falta de experiência fez com que eu me atrapalhasse na gandaia, nos primeiros meses, até que um amigo mais quilometrado na estrada da vida me aconselhou: “escolhe uma só e concentra a atenção nela; vai notar que as demais farão tudo pra chamar tua atenção”. Ouvi a voz da experiência e arrumei uma namorada. Naquele fim de semana a levei para Garibaldi. Ficamos no hotel Casacurta e, naquela noite descemos ao restaurante pra um jantar romântico.


O local é aconchegante, o cardápio estava impecável e o champanhe idem. Já que a cidade serrana gaúcha é a única fora da França onde existe licença para rotular espumante pela denominação de champanhe. Pra ser perfeito, faltava só aquela surpresa especial e… eis que ela surge na hora da sobremesa. Era um 6 de janeiro e adentrou o recinto um Terno de Reis. Dois violeiros e um acordeonista, como bem sugere a tradição italiana da terra de meu pai.


Pararam junto à mesa de entrada, tocaram uma canção dos “oriundi”, olharam para os comensais que aplaudiram, agradeceram e só. Ato contínuo abandonaram a mesa, seguindo em direção à minha. Chegaram tocando. A namorada apresentava o brilho perfeito nos olhos. Terminaram a primeira canção. Enquanto isso eu os observei. Eram uns tiozão, bem vestidos que, apesar de tocarem bem, não tinham jeito de músicos profissionais. Não pareceu que estivessem tocando por trocados. Então, enquanto a namorada extasiada beijava cada um deles, chamei o garçon e pedi mais um champanhe e 3 taças. O sorriso dos tios deixou claro que eu havia entendido bem a situação. Empinaram a primeira taça e fizemos um brinde ao Dia de Reis. 


Aliás, meu melhor Dia de Reis, na verdade minha melhor Noite de Reis, pois aqueles brindes se repetiram, mais garrafas foram abertas e quando os “cantante” se retiraram várias músicas depois, chegou a hora de voltar ao quarto do hotel. Aí, quem ganhou presente de Reis fui eu.