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domingo, 25 de abril de 2021

Homessa

 Homessa - expressa admiração, surpresa, irritação; equivale a ora essa! ou a e essa agora!: "Que diabo tem você com as cabeçadas de seu mano José?... Homessa!" (Aluísio Azevedo, O mulato)

Durmo pouco. Faz anos. É muito comum perder o sono no meio da madrugada. Nesse caso ligo a TV e fico deitado assistindo Sessão Retrô e Vigilante Rodoviário no Canal Brasil. Entre tantos filmes antigos, quase todos em preto e branco, Mazaropi e Arrelia, ambos gênios vindos do circo. Gente que não se cria mais nestes tempos do politicamente correto. Artistas que sabiam fazer rir falando sério e que debochavam de tudo e de todos sem MI MI MI.

Este último ficou conhecido em São Paulo através dos programas de TV que levou ao ar pela Record, durante mais de uma década, interpretando o Palhaço Arrelia: “olá, como vai, como vai… eu vou bem, muito bem, bem, bem” era seu bordão de apresentação, que virou até marchinha. Grande e desengonçado, porque queria, já que era trapezista, função onde todos os movimentos precisam ser friamente calculados. No cinema, onde nem sempre interpretou o palhaço, ele se expressava de uma maneira peculiar, pontuando suas frases com a expressão “homessa”. Quase com a mesma insistência que costumo usar meus pontos reticentes e de exclamação.
Daí me veio a preocupação: por que jamais usei homessa em algum texto meu? Por que não sei usar a expressão em meu vocabulário corriqueiro? Eu que vivo debatendo nas tribunas do rádio, jamais falei sequer uma vez homessa. Pelo simples fato de não saber encaixar a expressão.
Homessa!!! Eu que escrevo há mais de 4 décadas, não sei como usar homessa. Ou será que aprendi?

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Benefício do Mal

Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá logar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho

Sou um otimista incorrigível. Mesmo lesado por esta infindável pandemia, sigo olhando para a metade do copo cheia. Uma vizinha pediu para eu alugar minha garagem, já que não tenho mais carro e usava o espaço como depósito. Aproveitei o Carnaval para fazer uma limpa no local e dentro das caixas e mais caixas ali depositadas haviam livros… muitos livros. Separei aqueles que não me interessavam e doei à SPAAN, os demais subi para meu apartamento.

Ao tentar organizá-los nas estantes espalhadas pelo ambiente, reparei vários títulos com autoria de Machado de Assis -sempre que vejo algo dele em sebos adquiro na hora- e tornei a ler nosso escritor maior. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas o personagem Quincas Borba é apresentado e lembrei que entre os achados havia uma edição crítica do livro contando a história deste. Quincas é um doidivanas genial, que criou uma religião chamada Humanitismo e quando está a passar ensinamentos desta filosofia a seu fiel auxiliar Rubião ele cria a figura com que abri este texto para exemplificar a “desimportância” da vida humana, segundo o Humanitismo, onde estar vivo ou morto são apenas 2 lados da mesma existência.


Ou seja: se até para Machado de Assis, através do personagem Quincas Borba, uma epidemia tem seu lado positivo, quem sou eu para choramingar e reclamar que é só tristeza? Afinal, esse tempo trancafiado em casa trouxe a possibilidade de colocar a literatura em dia e como dizia Einstein, “uma mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”. Se ao longo dos 13 meses que já dura esse isolamento social não houve aumento do saldo bancário nem da musculatura, ao menos a mente teve ganhos e aprendizados.


Não há mal que não venha pra bem, nem mal que sempre dure..!


Constritador - aquilo que causa tristeza

quinta-feira, 1 de abril de 2021

O Tempo Passou


Dois anos atrás, quando a vida era normal, fui convidado para um evento insano, mas que celebrava a alegria e aonde houver alegria, podem me chamar que é lá onde eu quero estar. O Wedges, onde se faz um dos mais saborosos Hambúrguer da Capital Gaúcha solicitou minha participação no seu concurso anual de comer seu inigualável sanduíche de carne tostada na brasa, tipicamente norte-americano. Eu, como morador do Texas, na adolescência, trago desde então o hábito de assar na brasa esses bolos de carne moída, que ficam crocantes por fora e macios por dentro. No Texas, o hábito das pessoas se reunirem em volta de uma churrasqueira nos fins de semana, se iguala ao hábito gaúcho do churrasco. A diferença é que a carne vem moída e fica disponível para cada comensal pegar e preparar o seu. Aí que está a diferença: não tem um assador e cada um que prepare o seu, da maneira que achar melhor. Assim meus filhos cresceram, preparando cada um o seu hambúrguer desde sempre. Tanto que o primogênito, hj com 36 anos, preparava isso para os colegas no tempo de Colégio Bom Conselho e estes aprenderam e passaram o hábito adiante e se criou aqui, em Porto Alegre, mais esse hábito saboroso e saudável de congraçamento gastronômico. E acabou se espalhando para td o Brasil e hj se encontra hambúrguer artesanal por todos os cantos do nosso país. Claro que nem todos tão saborosos quanto os do Wedges.

Voltando ao evento, tratava-se de um concurso pra ver quem come mais hambúrguer. O recorde da edição anterior do ágape era de 8 sanduíches devorados em 8 minutos. O autor da proeza, evidentemente tb estaria presente. Um animal com metade da minha idade e maior que eu, só que não gordo, mas uma porta de forte. Fomos sentados a uma mesa comprida, ele numa ponta e eu na outra, com outros ogros no meio, todos dispostos a acabar com o estoque da hamburgueria, td isso regado à boa cerveja artesanal. E assim foi dada a largada.
Os primeiros 2 sanduíches descem facinho, mas a partir do terceiro, aquele mundarel de pão começa a engasgar, mas pra isso toma-se um bom gole de cerveja e segue a competição. Empurra o quarto e o quinto, já não com a mesma disposição inicial, mas ainda com vigor. Mais uns goles de cerveja e manda o sexto boca adentro, mas este já requer 4 mordidas, contra duas ou três do início da competição. Isso significa perda de tempo. Foco e concentração que faltam só 2 sanduíches e ainda restam 2 minutos. Um generoso gole de cerveja e bora engolir mais um. Foi, mas a sensação é de que o próximo não tinha espaço, mas eu tinha torcida e não os podia decepcionar. Mais cerveja, uma olhadinha no cronômetro e quem compete sabe que não pode desistir antes de tentar até o fim. Dois competidores já haviam desistido, mas sei que o recordista não se entregaria tampouco podia eu sucumbir e assim prossegui. Confesso que aquele oitavo hambúrguer não desceu fácil, nem com satisfação, mas o engoli antes do cronômetro bater os 8 minutos.
Feito isso, bebi mais um tanto de cerveja para lavar os beiços engraxados e olhei para o lado pra conferir se o recordista havia repetido seu feito. O animal trazia um sorriso de escárnio no canto da boca, pois tinha acabado de trucidar 10 daqueles sanduíches no mesmo tempo em que eu só comi 8, a pau e corda. Naquele átimo temporal senti que eu não era mais o mesmo, que o tempo passou, a idade chegou e eu não podia mais me comportar como um Peter Pan que não envelhece. Minha velhice anunciou desta forma a sua chegada e naquele exato momento eu chorei. Todos viram. Se sentiram pena de mim, não precisava. Até pq a alternativa à velhice não me atrai nem um pouco. Então só posso agradecer por conseguir comer 8 maravilhosos, suculentos e mto bem assados hambúrgueres, engolir a vergonha, afogar aquela mágoa em mais uma cerveja e bola ao centro, pois segue o jogo. Só que, a partir daquele momento, em outro ritmo.