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quinta-feira, 1 de abril de 2021

O Tempo Passou


Dois anos atrás, quando a vida era normal, fui convidado para um evento insano, mas que celebrava a alegria e aonde houver alegria, podem me chamar que é lá onde eu quero estar. O Wedges, onde se faz um dos mais saborosos Hambúrguer da Capital Gaúcha solicitou minha participação no seu concurso anual de comer seu inigualável sanduíche de carne tostada na brasa, tipicamente norte-americano. Eu, como morador do Texas, na adolescência, trago desde então o hábito de assar na brasa esses bolos de carne moída, que ficam crocantes por fora e macios por dentro. No Texas, o hábito das pessoas se reunirem em volta de uma churrasqueira nos fins de semana, se iguala ao hábito gaúcho do churrasco. A diferença é que a carne vem moída e fica disponível para cada comensal pegar e preparar o seu. Aí que está a diferença: não tem um assador e cada um que prepare o seu, da maneira que achar melhor. Assim meus filhos cresceram, preparando cada um o seu hambúrguer desde sempre. Tanto que o primogênito, hj com 36 anos, preparava isso para os colegas no tempo de Colégio Bom Conselho e estes aprenderam e passaram o hábito adiante e se criou aqui, em Porto Alegre, mais esse hábito saboroso e saudável de congraçamento gastronômico. E acabou se espalhando para td o Brasil e hj se encontra hambúrguer artesanal por todos os cantos do nosso país. Claro que nem todos tão saborosos quanto os do Wedges.

Voltando ao evento, tratava-se de um concurso pra ver quem come mais hambúrguer. O recorde da edição anterior do ágape era de 8 sanduíches devorados em 8 minutos. O autor da proeza, evidentemente tb estaria presente. Um animal com metade da minha idade e maior que eu, só que não gordo, mas uma porta de forte. Fomos sentados a uma mesa comprida, ele numa ponta e eu na outra, com outros ogros no meio, todos dispostos a acabar com o estoque da hamburgueria, td isso regado à boa cerveja artesanal. E assim foi dada a largada.
Os primeiros 2 sanduíches descem facinho, mas a partir do terceiro, aquele mundarel de pão começa a engasgar, mas pra isso toma-se um bom gole de cerveja e segue a competição. Empurra o quarto e o quinto, já não com a mesma disposição inicial, mas ainda com vigor. Mais uns goles de cerveja e manda o sexto boca adentro, mas este já requer 4 mordidas, contra duas ou três do início da competição. Isso significa perda de tempo. Foco e concentração que faltam só 2 sanduíches e ainda restam 2 minutos. Um generoso gole de cerveja e bora engolir mais um. Foi, mas a sensação é de que o próximo não tinha espaço, mas eu tinha torcida e não os podia decepcionar. Mais cerveja, uma olhadinha no cronômetro e quem compete sabe que não pode desistir antes de tentar até o fim. Dois competidores já haviam desistido, mas sei que o recordista não se entregaria tampouco podia eu sucumbir e assim prossegui. Confesso que aquele oitavo hambúrguer não desceu fácil, nem com satisfação, mas o engoli antes do cronômetro bater os 8 minutos.
Feito isso, bebi mais um tanto de cerveja para lavar os beiços engraxados e olhei para o lado pra conferir se o recordista havia repetido seu feito. O animal trazia um sorriso de escárnio no canto da boca, pois tinha acabado de trucidar 10 daqueles sanduíches no mesmo tempo em que eu só comi 8, a pau e corda. Naquele átimo temporal senti que eu não era mais o mesmo, que o tempo passou, a idade chegou e eu não podia mais me comportar como um Peter Pan que não envelhece. Minha velhice anunciou desta forma a sua chegada e naquele exato momento eu chorei. Todos viram. Se sentiram pena de mim, não precisava. Até pq a alternativa à velhice não me atrai nem um pouco. Então só posso agradecer por conseguir comer 8 maravilhosos, suculentos e mto bem assados hambúrgueres, engolir a vergonha, afogar aquela mágoa em mais uma cerveja e bola ao centro, pois segue o jogo. Só que, a partir daquele momento, em outro ritmo.

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