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sexta-feira, 27 de maio de 2022

David Coimbra Generator

 Há 20 anos, quando isso aqui ainda era mato ainda bem porque a internet era à lenha, havia uma febre de geradores de textos, memes, dublagens ou créditos na sua língua para cenas famosas. Lembro que, na época, criei um gerador de crônicas no formato do colunista mais lido nos Jornais -no tempo da internet à lenha eles ainda existiam. Era o David Coimbra Generator.

Quem quisesse escrever uma crônica como as dele, bastava seguir o passo-a-passo:

Siga os seguintes passos para escrever crônicas como Davi Coimbra:

  • Comece por determinar uma região do seu torrão natal, como sendo o lugar onde se criou:
  • Dê vida aos personagens:
  • Insira uma ação ou situação de polêmica:
  • Encaminhe o desfecho:
Quer ver como funciona na prática? Olha só:

Começo por determinar uma região do meu torrão natal, como sendo o lugar onde me criei:

  • Cresci batendo pernas entre a Coronel Bordini, rua onde o bonde fazia a curva, local de minha residência e a Praça Júlio, onde moravam os Meneghetti. No meio do caminho, subindo pela 24 de Outubro, passava pelo Yellows, pela Girafa Cor-de-Rosa, onde vivia o Paulinho e pelo Elefante Branco que era o Floragê. Duas quadras acima, em frente ao escombro do Prado Velho, em que mais tarde a municipalidade construiu o Parcão, para gáudio dos Colorados deste Sul de Mundo, em frente ao qual cheguei a cursar inglês no Yazigi, outro lado da rua de onde montaram um Tobogã -lembro de um Dia das Crianças em que o dono liberou o ingresso e toda a piazada da redondeza se empilhou com sacos de estopa nas mãos- mesma quadra onde também morava o Rivinha. Da esquina onde moravam os irmãos Claudio, Zizo e Neco da Poian e o Gordo Eugênio, subia-se mais e na outra encruzilhada construíram uma galeria onde instalou-se o Guga’s, na quadra onde viviam o Toninho e sua esplendorosa irmã, a Vica. Passando a esquina, onde ficava o postinho, vinha a curva da 24, onde morava a família Loureiro da Silva -dois guris, o Zé e o Pedro e 4 lindas gurias; Lizete, Clarissa, Andrea e Corina. A partir daquela curva, as quadras do Parque de Tênis e aquela beleza ajardinada da Caixa D’Água. A quadra seguinte começava por um cortiço, em frente a dois sobrados geminados de 3 andares, para um dos quais nos mudamos. Por fim, a Vila Jardim Cristoffel, a Praça Júlio, a avenida Independência e o calçadão do Esplanada local do Joe’s, onde imperava a Gorda Cida.

Dar vida aos personagens:

  • Aos 5 anos ingressei no Colégio Farroupilha, pra onde ia no ônibus do Seu Mário. Na condução conheci o Toninho e sua linda irmã Vica. Brigávamos o tempo todo, pois ele não gostava do jeito que eu olhava pra ela. Pra poder rolar a pancadaria, os demais passageiros no fundão tinham de fazer barulho, normalmente alguma cantoria de sucesso da época que todos soubessem de cor e ficarem de pé, pra encobrir a pugna, enquanto rolávamos pelo chão ou assentos dos banco traseiros. Caso o Seu Mário descobrisse a briga, brecava o ônibus, empunhava um pedaço de mangueira que carregava embaixo do banco e usava pra chupar gasolina do carro de algum pai generoso, quando seu velho Chevrolet sofria pane seca. Apartava a briga a golpes de mangueira e expulsava do ônibus os valentões, que teriam de queimar aquela energia caminhando a pé pra casa, em plena hora do almoço. Ainda no trajeto da 24 de Outubro, Seu Mário pegava os Loureiro e lá na Praça Júlio os irmãos Alberto, Renato e Eduardo Meneghetti, de quem fiquei amigo e especialmente o mais velho, Alberto, grande fotógrafo, publicitário disputado pelo mercado e visionário. Tudo isso que surpreendeu os porto-alegrenses com a vinda do South Summit e seu congresso de “start ups” ele já vem desenvolvendo e mentorando há anos

Inserir uma ação ou situação de polêmica:

  • Ali fui seduzido pelo tabagismo. Quase todos fumavam e os mais velhos, depois de fumar o último crivo, davam os maços vazios aos mais jovens, que os colecionávamos como figurinhas. Ainda não tinham lançado os álbuns de figurinhas e colecionar maços de cigarro ocupava aquela função. Eu ia ao Rio duas vezes por ano, nas férias escolares, pois tive a sorte de ser filho de uma carioca. Na bandeja do almoço do voo 100, a bordo do Electra da Varig, além da magnífica refeição completa -da entrada à sobremesa, passando pela salada e o filé com acompanhamento- havia um estojinho com 4 cigarros Minister, os quais eu fumava escondido dos pais… e assim fui aprendendo a fumar. Paulinho e Rivinha também eram tabagistas, aliás o Riva fuma até hoje. Paulo parou depois de um susto dia desses, mas gostávamos de perscrutar marcas internacionais, que encontrávamos na Avenida América, lá no pé da Bordini ou num outro contrabandista ali na 24 perto da Lucas. Na época não havia Parliament no Brasil, só de contrabando. O mesmo valia para Chesterfield e Marlboro. Gastávamos quase toda mesada em fumaça de tabaco importado.

Encaminhar o desfecho:

  • Essa gurizada foi crescendo e assistindo as mudanças no entorno. Foi construído o Parcão, os bondes deixaram de circular pela 24 e Bordini, o Yellows fechou, a turma da bicicleta deixou de se reunir na Vila Jardim e calçadão do Esplanada, o pai vendeu nossa casa de pátio imenso para o governo da Alemanha construir o Instituto Goethe, os contrabandistas foram perdendo seu mercado para a indústria oficial, o 5ª Avenida Center tomou o local do cortiço, a Independência inverteu a mão que conduzia ao Centro, bem como eu troquei o cachorro-quente de 30cm do Joe’s -que também fechou- pelo cachorrinho da Princesa, na outra ponta da avenida. O que não mudou foi a amizade que fiz com toda essa gente que pertenceu ao meu universo da 24 de Outubro na juventude. Há poucos dias fui almoçar com Paulinho e Rivinha; os irmãos da Poian viraram grandes empreendedores em diferentes locais do país, bem como o Gordo Eugenio que, na ausência do Planeta Atlântida construiu o Cais Embarcadero; encontrei com o Meneghetti caminhando por nossa rua, a Gorda Cida eu vejo sempre que vou a um parque nos domingos onde ela esteja promovendo algum jovem artista da cena roqueira e a Vica continua linda, pena que se casou com outro. Ah… e que o Toninho não leia isto, pois estamos velhos demais para voltar a trocar socos.
Fica aqui minha homenagem ao Jornalista gaúcho que partiu nesta sexta-feira. Um dos melhores cronistas aqui do Sul do Mundo, David Coimbra, que partiu deixando esta escola singela de escrita, além de tantas outras qualidades na carreira jornalística.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Duas Brahmas e Um Ensopado de Búfalo

Tenho dois hábitos de vida toda, não importa onde esteja:
1- caminho, mas caminho muito; meus pés ensinam ao cérebro a geografia do local onde esteja, é a conexão
2- quando canso, entro num bar e bebo e bebo muito, até o cérebro desconectar
Normalmente faço isso quando estou só e minhas melhores viagens foram feitas na solidão, logo não levo problemas, nem os crio. É só solução… e alguns soluços eventualmente.
Uma vez estava em San Francisco, California, que vocês sabem é que nem Porto Alegre, pois a cidade começa no porto, “downtown” e sobe pela Borges de Medeiros, digo Market Street -até hj não entendi pq a Borges não se chama rua do Mercado. Quando estava começando a cansar aparece um “junkie” e pede: “hey bro, can you spare 20 thousand Dolars..?” Ri, meti a mão no bolso, peguei uma moeda, atirei pra ele e notei que ele estava em frente a um bar que dizia no letreiro: “mais de 480 cervejas do mundo todo”. Pareceu um bom lugar pra beber umas.

Entrei, olhei o pequeno bufê, onde notei um ensopado de búfalo e pensei: “vou encher a cara e depois comer isso, que na certa vai me dar aquele desarranjo, mas vou poder um dia contar a história de que enchi a cara num boteco que vendia 480 marcas de cerveja e onde comi um ensopado de búfalo que deixou memória”. Você pode não acreditar, mas no interminável cardápio de cervejas tinha até Brahma Beer. Eu, do outro lado do planeta, só e abandonado, sem eira nem beira, apenas com solado pra andar outro tanto e chutar as latas pelo caminho, gostei e fui ficando. E bebendo. Até o cérebro desconectar.
É o momento em que saio do corpo e viajo. Fica ali no balcão aquele corpanzil inerte, mas a imaginação viajando pelo cosmos qual um Gagarin tupiniquim. Até que, pelas tantas, ouço em meu ouvido: “Marco Aurélio”. Pensei fazer parte da viagem, já que a possibilidade de alguém ter esta informação privilegiada, do outro lado do planeta é nenhuma, nem despertei, mas a requisição se repetiu: “Marco Aurélio”. Pombas, só minha mãe me chamava assim, afinal foi ela quem me deu esse nome ao convencer meu pai que preferia Marco Antonio, argumentando que este último era um grande General, mas o primeiro foi Imperador.
E no terceiro “Marco Aurélio” decidi despertar. Faço isso amiúde, pois me nego a sair do torpor, cujo investimento foi alto, a menos que a situação realmente pareça séria, como era o caso. Uma vez, no extremo sul da ilha de Santa Catarina aconteceu o mesmo, até que lá pela terceira vez que ouvi meu nome despertei ao chamado do Gilberto Simões Pires e aquele seu vozeirão característico, ele que ama Floripa e gasta boa parte do ano por lá. Era um daqueles locais em que você espera uma eternidade por uma mesa, enquanto isso bebe trocentas caipirinhas e gasta uma fortuna, como todos os pontos afamados da ilha da magia.
Mas voltando a San Francisco e ao “Marco Aurélio” -só ex-colegas me chamam assim desde que mamãe deixou este mundo- despertei e olhei pra trás e vi o filho do seu Olavo. Quais as chances de isso acontecer? Você estar em outro hemisfério, sozinho, enchendo a cara num boteco desconhecido e o filho do bedel do colégio onde estudou te reconhecer e vir falar contigo? Pois é, essas coisas acontecem comigo.
Ele contou que morava e estudava do outro lado da baía, em Berkeley, mas veio até ali matar as saudades de uma Brahma Beer. Foi o que bastou. Chamei o garçon e pedi: “duas brahmas e um ensopado de búfalo”.