Meus grandes momentos de ócio e lazer foram passados no Rio da Janeiro, pra onde rumávamos no início das férias escolares e onde ficávamos até que as aulas voltassem. Cheguei a passar 4 meses por lá, num mesmo ano. Tínhamos apartamentos em ambos os lados da baía de Guanabara: mamãe na praia de Icaraí, em Niterói, onde passava as manhãs tomando banho olhando para o Pão de Açúcar e papai tinha seu ap em Copacabana, onde entre uma descida de onda e outro jacaré, olhávamos para a Pedra do Leme, de um lado, ou para o Forte de Copacabana, pelo outro.

Meio-dia tinha de estar de banho tomado à mesa. Em Niterói tinha a família, que cada vez aumentava; sempre me apresentavam um primo novo que acabara de chegar de Itaperuna ou alhures. Então, se não estivesse à mesa na hora chamada, dificilmente restaria comida. Até que descobri que algo sempre sobrava: arroz. Descobri isso da maneira mais improvável: a molecada na praia aproveitava para empinar cafifa. Era uma das formas que eles chamavam soltar pipa. Papagaio também era aceito, mas o mais usado, por lá, era mesmo a cafifa. Pandorga nem pensar.
Os pilas nos bolsos eram escassos e eu reservava o pouco que tinha para as idas ao Campo de São Bento, em nossa rua, a poucas quadras de distância, onde eu adorava andar de auto-choque -sabe aqueles carrinhos elétricos de bate-bate? Pois é, eu não era bom naquilo... era mau. Se eu invocasse com alguém era perseguição até o último grão de areia que zerava a ampulheta, fazendo com que o zelador do brinquedo desligasse a energia e os carros parassem onde estavam.
Assim sendo, as amizades de praia e os primos incontáveis, ensinaram a montar as próprias cafifas. Primeiro tínhamos de encontrar e cortar taquaras, em tiras finas o suficiente para que as hastes ficassem bem flexíveis, as quais amarrávamos em cruz e uníamos as pontas com a mesma linha usada pra amarração do centro. Depois precisava cortar e colar papel de seda com as cores que estivessem à disposição na papelaria, ou nas Americanas, onde tudo era mais barato e ainda encontrávamos carretéis de linha, com milhares de metros de fio. Aqueles carretéis eram guardados depois de não terem mais linha, pois nos dias de chuva não dava pra ir à praia. Dois carretéis, unidos em sequência pela mesma linha, formavam um carrinho pra brincar dentro de casa. Quatro faziam um caminhão. O sentimento do brinquedo foi eternizado nas pinturas de Iberê Camargo, que na infância em Restinga Seca, também surrupiava os carretéis da casa para construir seus brinquedos. Carretéis é uma das mais importantes fases em sua carreira de pintor.
Aí é que finalmente entra o arroz. Armação de taquara pronta e devidamente amarrada por linha. Papel de seda colorido comprado e recortado no tamanho suficiente para cobrir a cruz. Deita-se a armação sobre o papel e recorta-se no formato do triângulo obtido, com uma folga em torno de 1cm. Naquela folga do papel, junto à linha da extremidade da armação, cola-se as bordas do papel, envolvendo a linha. Cola como? Com a sobra do arroz encontrado na geladeira, devidamente degelado. Pega o arroz com uma colher, despeja uma pequena quantidade de grãos junto à linha e sobre o papel, faz a dobra e, com a mesma colher esmaga o arroz entre a dobra. Foi naquele momento que fiz duas descobertas importantes: arroz é puro amido e por isso vira grude e descobri onde encontrar uma sobra generosa de alimento, caso perdesse o sorteio no almoço.
Era bom nos tempos da cafifa