Ave que conheci no interior de Santa Catarina, mais precisamente no Gravatal, no sítio de um produtor raiz, onde cheguei procurando por mel nativo. Todos, na região, indicavam aquele produtor, um alemão bem humorado, que cuidava com denodo e carinho de seu torrão. Era verão e conversávamos à sombra, quando aquela ave marrom, quase do tamanho de uma galinha, pousou no quintal. E por ali ficou, como se tivesse interesse em nossa conversa. O alemão disse que ele vinha todas as tardes e ficava perambulando no pátio, como se fosse a própria residência, comia alguma coisa, fosse restos da quirera de milho, deixada pelas galinhas, ou fruta, depois voava, retornando só na próxima tarde.
Moro numa região bastante arborizada da Zona Sul de Porto Alegre. De meu “home office” olho para um coqueiro, que vive cheio de caturritas que adoram a oleosidade dos coquinhos, uma laranjeira carregada de frutos amarelando e que, a partir do frio que ora chega deve aprontar de vez a safra da fruta. A seu lado um limoeiro, daqueles limões bergamota e disputando o espaço com ele um pé de maracujá, cujos frutos geram batidinhas aqui em casa, pois o dono do terreno sempre me presenteia sacolas da fruta. Ao fundo, árvores mais frondosas; não reconheço a maioria, mas descortino guapuruvus e até uma araucária já adulta, que deve ser macho, pois jamais vi uma pinha sem seus galhos. Ela se inclina sobre a avenida Nonoai… imagina você retornando daquele passeio dominical pela Zona Sul da capital gaúcha com a família e, de repente, cai uma pinha com mais de 5kg no parabrisa da sua possante? Ok, eu adoraria que ela fosse fêmea e desse pinhões, mas o estrago seria grande. Melhor que seja macho mesmo, pois seus estróbilos secos são melhores que gravetos para acender a chama no fogão a lenha que me impede de congelar no inverno.
Acho que conheço razoavelmente a natureza no entorno. Meus leitores devem lembrar do episódio da calopsita que resgatamos, que eu descobri ao ouvir um canto diferente das aves que aqui gorjeiam. Entre pombas, papagaios, íbis, joões-de-barro e bem-te-vis, tem também um casal de urubu que aninhou na caixa d’água do teto de um edifício a meia quadra daqui e até um carcará solitário. Uma calopsita cansada não teria a menor chance, contra predadores desse porte. Pois neste verão ouvi outro canto, que me estranhou. Chamar aquilo de canto é boa vontade minha: é um escândalo, um estardalhaço. Sempre ao amanhecer. Até que um dia, estou sentado ao pé da cama, olhando para a frondosa árvore que cobre de sombra o pátio da terceira casa à frente da janela do meu quarto, quando ouço o escarcéu. Presto atenção naquela que, até então era pra mim a árvore dos bem-te-vis e vejo um par de bichos imensos saltando por seus galhos e a ave que mais fazia algazarra alça voo em direção a outra, na quadra de baixo, de onde vem estardalhaço igual. Acreditem: tem outra família de aracuans a pouco mais de uma quadra daqui. São aves muito territorialistas e marcam seus territórios no grito… e que gritedo.
Semana passada, durante a breve estiada neste dilúvio que causa a maior tragédia da história do meu Rio Grande, aproveito pra caminhar e, qual não foi minha surpresa, quando ao chegar na quadra de casa, ali no fim da avenida Teresópolis, rasga o vento a minha frente, outra dessas aves marrons, em direção ao lado oposto da Perimetral, entranhando-se em uma imensa árvore coberta de folhas, onde notei outra família desses bichos. Ao decretar o fim do verão, as tropas do General Inverno afogam meus irmãos e massacram meu torrão nativo, numa guerra ímpia, injusta e sem precedentes em minha já não tão curta vida neste sul de mundo. Este ficará eternizado em minha memória como “O Verão dos Aracuans”.
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