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domingo, 13 de outubro de 2024

A Perda da Conquista do Espaço

Quando criança, ao menos 2 vezes por mês, mamãe me levava ao aeroporto Salgado Filho, para buscarmos meu pai que vinha passar uns dias na nossa Porto Alegre. Naquela época horários de partidas e chegadas da aviação civil não eram assim tão regrados, então era comum a demora. Jamais vi problema algum nisso, pois eu passava aquele tempão admirando o inacreditável afresco do italiano Aldo Locatelli, pintando na parede ao lado do portão de desembarque do antigo terminal aeroportuário da Capital Gaúcha.
Dava pra passar horas observando e admirando aquilo, pois toda história do sonho humano de voar estava ali retratada, tamanho o rol de detalhes incluídos pelo pintor, que aportou no Sul do Mundo contratado para criar afrescos em igrejas. Ao longo de mais de 50m2, de Ícaro a Santos Dumont, passando por Da Vinci, a obra mostra a luta dos humanos pela capacidade de subir aos céus,
mesmo sem asas.

Eu literalmente viajava nas asas da imaginação do artista, através de seus traços perfeitos, até que se abria o portão de desembarque de onde saia papai com um mundaréu de presentes na bagagem. Então eu despertava de meu torpor onírico e íamos felizes pra casa, quando assistíamos ele abrir as malas de couro de búfalo paraguaio, de onde saíam levas de brinquedos.
Com a enchente que alagou o aeroporto daqui, meu sonho infantil se foi por água abaixo. Confesso que ainda não me recuperei

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Um Ano de Aprendizado

Bateu a lembrança do que fazia ao começar setembro de 2023, justo pq ao amanhecer do dia 4 eu chegava na Rádio e a equipe de Reportagem passou a me fornecer dados sobre uma chuva absurda que inundava a cidade de Passo Fundo. Ato contínuo comentei na Redação: "chuvas que inundam o Planalto Médio, por lá não ficam; descem pelo rio Passo Fundo em direção ao rio Uruguai, causando inundação em São Borja daqui uns dias, ou pior: descem na direção do vale do rio das Antas e se isso acontecer, estamos diante de uma catástrofe histórica".


Tive a infelicidade de acertar o segundo vaticínio e as águas desceram para o lado da Depressão Central do RS, elevando em quase 30m a região do rio Taquari, para onde correm aquelas águas. Lembro ter colocado parte das informações em nosso primeiro programa, que vai ao ar às 5h30min e atualizar a informação a partir das 7h, renovando de hora em hora, até o fim da manhã, quando entra o esporte(leia-se futebol) e a realidade deixa de fazer sentido. 


No retorno da informação, às 13h voltei a bombardear o que estava acontecendo e assim foi até o momento em que passei o bastão ao Chefe de Reportagem da tarde/noite, seguindo o alerta. 


Naquela noite o vale do Taquari foi pra baixo d'água e os prefeitos, que tiveram 20 horas para tentar retirar pessoas de áreas de risco, foram pegos de "surpresa". Só mais uma tragédia anunciada. Agora esses mesmo prefeitos estão pedindo teu voto, ou para correligionários seus.


E olha que, depois daquela tragédia se seguiram outras duas ainda piores, sendo a mais recente, a pior da história do Rio Grande. Lembre-se disso no dia 6 de outubro.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Nos Tempos da Cafifa

Meus grandes momentos de ócio e lazer foram passados no Rio da Janeiro, pra onde rumávamos no início das férias escolares e onde ficávamos até que as aulas voltassem. Cheguei a passar 4 meses por lá, num mesmo ano. Tínhamos apartamentos em ambos os lados da baía de Guanabara: mamãe na praia de Icaraí, em Niterói, onde passava as manhãs tomando banho olhando para o Pão de Açúcar e papai tinha seu ap em Copacabana, onde entre uma descida de onda e outro jacaré, olhávamos para a Pedra do Leme, de um lado, ou para o Forte de Copacabana, pelo outro.

Meio-dia tinha de estar de banho tomado à mesa. Em Niterói tinha a família, que cada vez aumentava; sempre me apresentavam um primo novo que acabara de chegar de Itaperuna ou alhures. Então, se não estivesse à mesa na hora chamada, dificilmente restaria comida. Até que descobri que algo sempre sobrava: arroz. Descobri isso da maneira mais improvável: a molecada na praia aproveitava para empinar cafifa. Era uma das formas que eles chamavam soltar pipa. Papagaio também era aceito, mas o mais usado, por lá, era mesmo a cafifa. Pandorga nem pensar.


Os pilas nos bolsos eram escassos e eu reservava o pouco que tinha para as idas ao Campo de São Bento, em nossa rua, a poucas quadras de distância, onde eu adorava andar de auto-choque -sabe aqueles carrinhos elétricos de bate-bate? Pois é, eu não era bom naquilo... era mau. Se eu invocasse com alguém era perseguição até o último grão de areia que zerava a ampulheta, fazendo com que o zelador do brinquedo desligasse a energia e os carros parassem onde estavam.


Assim sendo, as amizades de praia e os primos incontáveis, ensinaram a montar as próprias cafifas. Primeiro tínhamos de encontrar e cortar taquaras, em tiras finas o suficiente para que as hastes ficassem bem flexíveis, as quais amarrávamos em cruz e uníamos as pontas com a mesma linha usada pra amarração do centro. Depois precisava cortar e colar papel de seda com as cores que estivessem à disposição na papelaria, ou nas Americanas, onde tudo era mais barato e ainda encontrávamos carretéis de linha, com milhares de metros de fio. Aqueles carretéis eram guardados depois de não terem mais linha, pois nos dias de chuva não dava pra ir à praia. Dois carretéis, unidos em sequência pela mesma linha, formavam um carrinho pra brincar dentro de casa. Quatro faziam um caminhão. O sentimento do brinquedo foi eternizado nas pinturas de Iberê Camargo, que na infância em Restinga Seca, também surrupiava os carretéis da casa para construir seus brinquedos. Carretéis é uma das mais importantes fases em sua carreira de pintor.


Aí é que finalmente entra o arroz. Armação de taquara pronta e devidamente amarrada por linha. Papel de seda colorido comprado e recortado no tamanho suficiente para cobrir a cruz. Deita-se a armação sobre o papel e recorta-se no formato do triângulo obtido, com uma folga em torno de 1cm. Naquela folga do papel, junto à linha da extremidade da armação, cola-se as bordas do papel, envolvendo a linha. Cola como? Com a sobra do arroz encontrado na geladeira, devidamente degelado. Pega o arroz com uma colher, despeja uma pequena quantidade de grãos junto à linha e sobre o papel, faz a dobra e, com a mesma colher esmaga o arroz entre a dobra. Foi naquele momento que fiz duas descobertas importantes: arroz é puro amido e por isso vira grude e descobri onde encontrar uma sobra generosa de alimento, caso perdesse o sorteio no almoço.


Era bom nos tempos da cafifa

domingo, 4 de agosto de 2024

Feliz Aniversário Mamãe

O 4 de agosto tem uma importância vital para mim: é o dia em que nasceu minha mãe. Há pouco mais de um século. A pessoa mais doce que jamais conheci, mas pragmática e severa, como boa leonina. Sempre alegre, sorridente e festeira, jamais colocou os pés além da porta de casa sem passar o batom e vestir algo alinhado.

Filha de sobreviventes da influenza espanhola e da febre amarela, que dizimou a população do Rio de Janeiro. O pai Valfrido, oficial militar, pertencia ao batalhão desbravador que sob comando do Marechal Rondon, levou os fios da comunicação aos rincões mais longínquos desse nosso país. Faleceu antes do casamento dela com meu pai, portanto não tive o privilégio de o conhecer. A mãe, nascida em Niterói, à época capital do estado do Rio, há pouco menos que um século optou por empreender, trazendo ao Brasil um método de aprendizado de datilografia, fundando assim a primeira escola do ramo, no estado que abrigava ainda o Distrito Federal, pois do outro lado da baía situava-se a Guanabara. Graças a isso, a Escola de Datilografia Royal, por ela fundada, conquistou o direito de levar às laudas brancas toda a documentação dos órgãos públicos da região. Foi um próspero negócio enquanto máquinas de escrever foram importantes, mas antes da chegada dos computadores, minha vó já tinha passado o controle da escola ao filho mais novo, já que o mais velho falecera em acidente automobilístico, minha mãe se mudara pra Porto Alegre, depois de casar com meu pai e a outra filha foi viver em Petrópolis, na Serra dos Órgãos, onde casou e constituiu família.
Mamãe estudou a vida inteira para buscar seu sonho de tornar-se profissional independente, nas décadas de 20 e 30, época de um mundo 99,9% masculino. Assim formou-se em Direito e ingressou no Instituto Rio Branco, buscando seguir a carreira diplomática. Até que o ditador de plantão -aquele chamado de "pai dos pobres"- editou decreto reservando o exercício dos cargos que exercem a diplomacia exclusivamente a homens. Como ela não estudou uma vida toda pra servir cafezinho em repartição, aproveitou ter conhecido um gaúcho que foi ao Rio procurando encontrar uma morena bem apanhada, bem informada e atualizada - naquele mundo entre duas guerras- casou e para o sul rumaram com o intento de constituir família. Os conhecimentos da dra. Maria Alayde em Direito e Diplomacia auxiliaram muito meu pai a tornar-se ainda mais próspero nos negócios do trigo, sua especialidade desde que saiu da Coronel Pilar onde nasceu, para conquistar o mundo.
Quando nasci, a prosperidade da família permitia que ela ficasse em casa cuidando dos dois filhos. Sou o caçula. E, desde sempre, o gordinho, que ela mimava a quitutes e guloseimas que ela estudou, durante seu tempo livre, para aprender. Ninguém cozinhava como mamãe. Os aromas e sabores guardo em minha memória até hoje, com carinho e gratidão do pouco que consegui aprender. Vocês não imaginam como eram meus aniversários, como foram nossas festas de fim de ano, ou os chás em que ela recebia a fina flor da sociedade porto-alegrense, para estabelecer e ampliar sua network. Sempre banquetes, onde este gordinho se lambuzava de felicidade.
Convenceu meu pai a matricular os filhos no melhor colégio que seu dinheiro pudesse pagar, o que ele fez sem jamais reclamar. Apenas deixava claro aos filhos que não pagaria duas vezes pelo mesmo serviço. Assim sendo, se alguém rodasse, repetiria o ano em escola pública. Recado dado e compreendido: jamais repeti ano na escola.
Assim fui criado, com essa inspiração de sempre buscar a qualificação através do estudo, especialmente o de línguas, a começar pela "última flor do lácio", que para mamãe era o cartão de visitas de um brasileiro. Obrigado mamãe por tanta doçura e dedicação

quarta-feira, 17 de julho de 2024

A Visão do Colonizador - originalmente publicado em 16/07/2014

Desde 2008 TODA Europa vive uma crise sem precedentes desde a implantação do Euro. Países inteiros afundaram, seja na débâcle da produção industrial da Itália, do desesperante desemprego num país com vocação de serviços como Portugal, no desacerto da eterna irascibilidade da Espanha, pra não falar da Grécia e anexação dos países do leste. Só quem surfou acima da crista da onda, neste período, foi o criador do Euro, a Alemanha e não pensem que foi por desígnio divino, afinal os alemães foram os primeiros a anexar um país quebrado do leste europeu, a sua metade comunista em 1990, numa decisão que acarretou aumento de impostos, mas que redundou na liderança política e econômica do bloco europeu. A França, por seu hábito histórico de aderir ao líder do momento, conseguiu sair-se de uma forma razoável, mas os desmandos e corrupção no governo Sarkozy foram tamanhos que o país também adernou.

Nesse contexto os europeus olham atentamente aos movimentos dos emergentes e ficam absolutamente sensibilizados com o ocorrido no Brasil, durante o mesmo período. A nação tupiniquim nada deve ao famigerado FMI, enquanto quase todas as nações européia, inclusive os franceses, tiveram de recorrer a fundos internacionais de socorro pra não quebrarem. Enquanto o Brasil vive um momento de pleno emprego, as principais nações do Velho Mundo convivem com níveis assustadores de desemprego, sem perspectiva de reversão da tendência. A imigração massiva de africanos nas décadas de 80 e 90 e dos europeus do leste, na sequência, criou uma zona de conforto e gerou uma cultura de não botar a mão na massa pra fazer o trabalho menos nobre. Aí, o que fazer quando faltam empregos considerados mais nobres?

Talvez por estes motivos, os europeus não conseguem entender a imensa oposição em todos os níveis que sofre o governo brasileiro na atual conjuntura. Eles sonham com a prosperidade em que vivemos. Não conseguem compreender que 12 anos é o tempo que leva uma criança pra entrar na escola e de lá sair cidadão, preparado para a vida e para a sociedade. Esta passagem não foi feita no Brasil do Bolsa Escolas e tantas filantropias com o dinheiro do bolso da classe média e os europeus não entendem porque os brazucas querem mais do que as migalhas. Não conseguem entender porque tanto reclamamos por escola pública de qualidade desde o ensino fundamental, ou porque exigimos um atendimento de saúde digno da quantidade de impostos paga pelos cidadão deste país sulamericano.

Ficam absolutamente espantados quando o chefe-de-Estado leva uma vaia e é "louvado" em um estádio quando o mundo inteiro assistia abertura e encerramento de uma Copa do Mundo. Afinal, para os europeus é comum chefe-de-Estado assistir jogos em estádios. Claro, não sabem os inocentes que no Brasil isso só acontece por motivos especiais e que os políticos não se misturam à patuléia em sua rotina habitual.

Assim, não entendem os europeus como, um país como o Brasil, em que todos os índices são positivos, a população não está satisfeita e não pretende a manutenção do sistema. É mais uma vez a visão do colonizador que não aceita ao colonizado o direito de emergir para uma realidade própria, soberana, onde as novas nações tomam as rédeas e o rumo da própria condução. Sim, o Brasil cresceu e mudou muito nestes últimos 12 anos, mas é hora de sair da infância e assumir sua própria independência e isso só se fará em plena vigência do Estado de Direito, que hoje está subjugado pelo grupo que ocupa o poder. E com democracia, cujo pilar mais sólido é a alternância de poder. Em qualquer parte, basta olhar a história, onde um mesmo grupo ficou no poder por muito tempo, o resultado foi o retrocesso, a corrupção e o autoritarismo.

Os brasileiros querem mudar. Mudar para melhor. Isso os europeus não conseguem entender. O que mais podemos querer além de empregos e bolsas assistenciais? É isso que decidiremos em outubro. As cartas estão dadas e começou a eleição

terça-feira, 16 de julho de 2024

Coisas da vida de uma nação livre

Sei que a maioria dos que estão aqui são cientes que a 2ª Emenda da Constituição que melhor funciona no planeta, a dos EUA, garante a posse de armas no mesmo nível da liberdade de expressão, imprensa, religião ou reunião. Isso deve-se ao fato de que um povo que vive em liberdade, não pode ser subjugado por forças como o crime organizado, nem mesmo pelo Estado. Metade dos estados americanos sequer exigem porte de armas, que podem ser compradas com pouquíssimas restrições, desde que elas sejam portadas à vista dos demais cidadãos. Só alguns estados exigem porte de arma, isso no caso dela não estar publicamente visível.

Morei no Texas, estado onde até os cães andam armados e a coisa mais normal é ver uma, duas ou mais carabinas penduradas num suporte interno junto ao vidro traseiro da cabine das pick-ups. Lá todas as famílias têm um confortável carro urbano e uma pick-up. Dentro dessa rotina, Mr. Matthew Brian Crooks, terapeuta especializado em fornecer suporte emocional e psicológico, ajudando pessoas a lidar com questões como depressão, ansiedade, estresse e problemas familiares, foi à loja de armas da pequena Bethel Park, Pensylvania, no semestre passado, para acrescentar um fuzil AR15 à sua coleção de duas dezenas de outras armas.
O filho Thomas queria muito pertencer à esquadra oficial de tiro da escola local, mas foi rejeitado. Diziam ser um péssimo atirador. O jovem da família Crooks não se deu por vencido, ingressou em um clube de tiro da região, onde treinou à exaustão pipocos de fuzil em alvos distantes a mais de 200m. O que levou o jovem Thomas ao ato desenfreado de atentar contra a vida de um ex-presidente do seu país, ainda ninguém sabe, mas esse loiro, filho de pai e mãe americanos, da típica classe média do interior dos EUA, comprova que assim é a vida em um país livre: desatinos individuais não se sobrepõe aos direitos da sociedade e, em um país livre, o direito às armas é garantido pela lei

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Longe Demais Das Capitais

Em 1984 eu retornava de uma temporada nos EUA, mais precisamente na California governada por Ronald Reagan, onde pululavam embriões da esquerda se infiltrando no maior partido de oposição ao líder Republicano; os Democratas. Eu havia feito meu primeiro filho, mas trouxe a mãe dele para ter o bebê em Porto Alegre. Eu não queria um filho americano, mas sim brasileiro. Claro que podia ter deixado ele nascer em San Francisco e obter dupla cidadania no consulado local, mas eu optei por uma descendência brazuca puro sangue.


Ao pisar em solo gaúcho uma vez mais me enchi de brio e fui à luta. Comecei pelos quadrinhos, fazendo uma pilha de traduções de clássicos lançados pela L&PM, entre os quais Spirit e Freak Brothers, pra citar 2. Tive um grande parceiro de faculdade com quem compartilhava minhas HQs e ele e ele as suas comigo, o Gordo Miranda. Outro parceiro de faculdade me chamou para voltar ao Rádio, Beto Andrade, que me conduziu à Redação da Atlântida, emissora voltada ao público jovem do maior conglomerado de comunicação sul-brasileiro. Com o tempo, Beto foi abduzido pela TV do grupo e eu assumi as funções dele na rede Atlântida. 


O Gordo deixou sua banda de rock pauleira, TaraNaTiriça, e montou um grupo bem diferente, ao estilo daqueles que eu vi surgirem na California naquela temporada, a Urubu Rei. Vários amigos daquela época montaram bandas do punk rock ao pop e estava criado o caldo de cultura. Aos poucos fui convencendo os programadores da Atlântida que a MPB já tinha dado o que podia e que o novo estava naquela tendência, pois eu já tinha visto isso acontecer nos EUA. Foi um ano e tanto aquele 1985, até que em seu fim conseguimos programar e executar, o longo de 4 sextas-feiras, no Gigantinho, com 12 bandas locais e mais quase todos os nomes de grandes roqueiros de fora do RS, muitos dos quais estavam surgindo na mesma onda, o Atlântida Rock Sul Concert, que levou mais de 60mil pessoas ao ginásio do Inter, em 4 noites separadas e nós do sul do mundo viramos referência e conseguimos levar ao estrelato nacional aqueles artistas. Porto Alegre entrou definitivamente no mapa nacional de eventos e entretenimento.


Agora, depois de tanta tragédia, nem mais aeroporto tem por aqui. Mesmo que artistas de fora do RS queiram vir se apresentar aqui, não têm como chegar. Voltamos a ficar longe demais das capitais. Quarenta anos de bom trabalho, empenho e bons resultados se foram por água abaixo

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Abobado da Enchente

Viralizou pelas redes um video do psiquiatra Nélio Tombini, onde ele faz uma explicação lúcida e pontual sobre “Os Abobados da Enchente”. Segundo o psicoterapeuta, a expressão muito usada pelos gaúchos pode ter surgido depois da grande enchente de 1941. Seriam esses abobados da enchente, pessoas que perderam mais do que sua humanidade foi capaz de suportar e seguiram a vida como verdadeiros zumbis que já não atendiam mais à rotina usual do cotidiano. É uma boa explicação, ou pelo menos faz sentido.

Digo isso porque senti parte dessa sensação quando na madrugada, manhã e tarde daquela quinta-feira, depois de 20 dias de dilúvio, onde tantos perderam tanto e outros tantos se foram com essas perdas, a chuva voltou impiedosa, depois de uma quarta-feira de sol alvissareiro e até calor. Ao fim daquele dia infernal, onde a enchente voltou de uma forma avassaladora, os gaúchos que haviam iniciado seus trabalhos de limpeza e retomada da vida normal, viram o lixo depositado nas calçadas -por sugestão dos gestores públicos- serem arrastados pela força das águas.

As cenas foram intensas, tristes e lembrei que, de acordo com a bíblia, Deus observou ter a humanidade se tornado extremamente corrupta e decidiu enviar um grande dilúvio para destruir toda a vida no planeta, exceto Noé, sua família e um casal de cada espécie animal. Então, choveu durante 40 dias e 40 noites, e as águas cobriram toda a superfície da Terra, até mesmo as montanhas mais altas. Todos os seres vivos fora da arca pereceram. Após 150 dias, as águas começaram a baixar e a arca repousou sobre os montes de Ararat. Noé soltou um corvo e uma pomba para verificar se as águas haviam baixado o suficiente. Quando a pomba retornou com uma folha de oliveira no bico, Noé soube que era seguro sair da arca. Deus então fez uma aliança com Noé, prometendo não mais destruir a Terra com um dilúvio, e o arco-íris foi estabelecido como um sinal dessa promessa. Isso já faz tanto tempo que talvez o todo poderoso tenha se esquecido do trato e decidiu começar mais uma vez. Começando pelo Rio Grande.

Embora o dia em que escrevo tenha amanhecido dentro de uma gigantesca nuvem -e o dito popular conta que “cerração que baixa, sol que racha”- tenho a impressão de que a chuva não mais há de nos abandonar. Parece que estamos fadados a viver num mundo semelhante ao dos replicantes do filme Blade Runner, onde a chuva era parte permanente do cenário. E a pomba em nosso cenário não é a da narrativa bíblica que chega com um ramo de oliva, mas aquela solta pelo replicante Roy Bati na frase final do filme: “…lágrimas na chuva”. Me nego a escrever a frase seguinte. Virei um abobado da enchente

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O Verão dos Aracuans

Ave que conheci no interior de Santa Catarina, mais precisamente no Gravatal, no sítio de um produtor raiz, onde cheguei procurando por mel nativo. Todos, na região, indicavam aquele produtor, um alemão bem humorado, que cuidava com denodo e carinho de seu torrão. Era verão e conversávamos à sombra, quando aquela ave marrom, quase do tamanho de uma galinha, pousou no quintal. E por ali ficou, como se tivesse interesse em nossa conversa. O alemão disse que ele vinha todas as tardes e ficava perambulando no pátio, como se fosse a própria residência, comia alguma coisa, fosse restos da quirera de milho, deixada pelas galinhas, ou fruta, depois voava, retornando só na próxima tarde.

Moro numa região bastante arborizada da Zona Sul de Porto Alegre. De meu “home office” olho para um coqueiro, que vive cheio de caturritas que adoram a oleosidade dos coquinhos, uma laranjeira carregada de frutos amarelando e que, a partir do frio que ora chega deve aprontar de vez a safra da fruta. A seu lado um limoeiro, daqueles limões bergamota e disputando o espaço com ele um pé de maracujá, cujos frutos geram batidinhas aqui em casa, pois o dono do terreno sempre me presenteia sacolas da fruta. Ao fundo, árvores mais frondosas; não reconheço a maioria, mas descortino guapuruvus e até uma araucária já adulta, que deve ser macho, pois jamais vi uma pinha sem seus galhos. Ela se inclina sobre a avenida Nonoai… imagina você retornando daquele passeio dominical pela Zona Sul da capital gaúcha com a família e, de repente, cai uma pinha com mais de 5kg no parabrisa da sua possante? Ok, eu adoraria que ela fosse fêmea e desse pinhões, mas o estrago seria grande. Melhor que seja macho mesmo, pois seus estróbilos secos são melhores que gravetos para acender a chama no fogão a lenha que me impede de congelar no inverno.


Acho que conheço razoavelmente a natureza no entorno. Meus leitores devem lembrar do episódio da calopsita que resgatamos, que eu descobri ao ouvir um canto diferente das aves que aqui gorjeiam. Entre pombas, papagaios, íbis, joões-de-barro e bem-te-vis, tem também um casal de urubu que aninhou na caixa d’água do teto de um edifício a meia quadra daqui e até um carcará solitário. Uma calopsita cansada não teria a menor chance, contra predadores desse porte. Pois neste verão ouvi outro canto, que me estranhou. Chamar aquilo de canto é boa vontade minha: é um escândalo, um estardalhaço. Sempre ao amanhecer. Até que um dia, estou sentado ao pé da cama, olhando para a frondosa árvore que cobre de sombra o pátio da terceira casa à frente da janela do meu quarto, quando ouço o escarcéu. Presto atenção naquela que, até então era pra mim a árvore dos bem-te-vis e vejo um par de bichos imensos saltando por seus galhos e a ave que mais fazia algazarra alça voo em direção a outra, na quadra de baixo, de onde vem estardalhaço igual. Acreditem: tem outra família de aracuans a pouco mais de uma quadra daqui. São aves muito territorialistas e marcam seus territórios no grito… e que gritedo.


Semana passada, durante a breve estiada neste dilúvio que causa a maior tragédia da história do meu Rio Grande, aproveito pra caminhar e, qual não foi minha surpresa, quando ao chegar na quadra de casa, ali no fim da avenida Teresópolis, rasga o vento a minha frente, outra dessas aves marrons, em direção ao lado oposto da Perimetral, entranhando-se em uma imensa árvore coberta de folhas, onde notei outra família desses bichos. Ao decretar o fim do verão, as tropas do General Inverno afogam meus irmãos e massacram meu torrão nativo, numa guerra ímpia, injusta e sem precedentes em minha já não tão curta vida neste sul de mundo. Este ficará eternizado em minha memória como “O Verão dos Aracuans”.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Oportunidade perdida

A tempestade dessa terça-feira, 16/1/2024, deixou Porto Alegre fora do ar. Moro bem na divisa do Teresópolis com Nonoai, comecinho da Zona Sul da Capital Gaúcha. No tempo da antiga Companhia Estadual de Energia Elétrica, postes e cabos da minha rua foram substituídos e, desde então, nem nas intempéries mais inclementes fico muito tempo às escuras. Agora a coisa foi diferente.

Fui pra cama cedo, não sem antes me acautelar fechando todas as entradas de ar/água da cobertura. Quando o temporal me despertou, descobri que esquecera uma janela entreaberta na sala. Tarde demais: piso inundado. Peguei um pacote de velas e chapinhei pela sala até as acender e distribuir a luz candente, possibilitando alguma vista da minha tragédia particular. Abri uma cerveja e fui acompanhar pelas redes a extensão da tragédia coletiva. Quando acostumei a vista ao cenário, distribuí folhas de jornal pelas poças e fui apreciar a tempestade elétrica lá fora. Fiquei picando de janela em janela, atrás do melhor ângulo e foi assim que vi o Teresópolis apagar, o Alto Teresópolis virar breu, o Nonoai desaparecer e, por fim, o Alto Nonoai tornar-se solidário às trevas.

Meia-hora depois os “no break” das estações celulares das operadoras sucumbiram à ausência de energia e, depois de ficar sem luz, sem internet, perdia de vez a conexão com o planeta Terra. Bebi algo mais forte e voltei pro berço, de onde saí apenas com a luz do dia, para descobrir que ainda não tinha voltado a luz da CEEE. Bebi um café, limpei memórias de computador e telefone e fui caminhar pela vizinhança. O quadro da dor. Muita gente perdeu muita coisa e a quantidade de árvores derrubadas sobre carros, ruas e avenidas era de dar dó.


Lembrei que antes de ficar sem conexão, um amigo morador do Teresópolis informou que sua energia elétrica já estava restabelecida. Fui praquele lado na esperança de encontrar um “hot spot” que me colocasse novamente em contato com meu planeta, mas qual… com exceção de um dos mercados do bairro, que tem gerador, todo restante do comércio, incluindo postos de combustível e farmácias, fechados. Inclusive o Nacional, onde tem “wifi” e locais para sentar, mas cujas portas também estavam fechadas. Fui até o Bourbon.


Qual não foi minha surpresa ao chegar, quando me deparei com alguém da direção da empresa -é fácil notar a diferença entre eles e os gerentinhos- pela 1ª vez desde que abriram o shopping. Sua primeira medida foi mandar afastar o máximo possível os bancos das tomadas, impedindo que as pessoas dessem carga em seus aparelhos atualizarem informações ao mesmo tempo. Ato contínuo, determinou à segurança que não permitisse as pessoas sentarem no chão. TODAS as tomadas estavam tomadas pelos carregadores dessas pessoas. Um cidadão chegou e pediu licença a uma pessoa que ocupava uma das tomadas, a desplugou e plugou no lugar uma régua com 5 tomadas, recolocando o carregador retirado, colocando a sua pra carregar e oferecendo mais 3 a quem chegasse com a mesma necessidade. É empatia que chama?


Logo chega um querido amigo e vizinho do bairro comentando o infortúnio, ao que eu questiono o porque dessa falta de empatia da empresa com o público -que ainda não assimilou a marca- e ele comenta: “eles tinham que recolocar os bancos ao lado das tomadas e oferecerem água às pessoas, bem como abrirem 4, ou 5 réguas em venda nas prateleiras lá de dentro e distribuírem pelas tomadas”. Digo mais, eu bancaria um galão e água e um pacote de copos descartáveis para distribuir entre os presentes, bem como uma régua das prateleiras deles, a qual eu buscaria quando a situação regularizasse, pois sempre tem utilidade.


Que oportunidade de conquistar a comunidade da região a custo ínfimo perdida, seu Zaffari.


Em tempo: no meu 2º dia de entrar no Bourbon Teresópolis na abertura, para carregar e me conectar, descubro que o mesmo engravatado que dava ordens, mandou desligar o wifi. Próximo da tomada onde pluguei minha régua, possibilitando que outras 3 pessoas tivessem acesso à tomada tem um café “Doce Docê”, onde vi uma atendente atrás do balcão. Dirigi-me a ela e solicitei um café e a resposta foi: “só abrimos às 10h…” Comentei que isso não era problema, pois eu deixaria pago, em dinheiro já que as máquinas de cartão da loja não funcionavam e que ela poderia me alcançar o café às 10h. Enquanto isso eu pegaria uma das cadeiras da loja e levaria ali, a 3m distante e ao alcance de seu olhar. Claro que a resposta foi negativa para ambas demandas, enquanto mostrava que havia uma tomada compartilhável dentro da área da loja, mas argumentei que não iria importunar as 3 pessoas com mais idade que eu que ali estavam sentadas. Detalhe: no dia seguinte, meu 3º tendo que colocar carga em celular no shopping reparei que a insana havia retirado a mesa e cadeira sobre a única tomada elétrica compartilhável da loja. Fica o registro da empatia desses lojistas para com a comunidade que os sustenta

domingo, 7 de janeiro de 2024

#FornoAlegre 60º

Vc pensa que ar condicionado sempre foi um bem tão democratizado como é hj? Pois saiba que antes da indústria da China tomar o planeta com seus produtos baratos, não era assim. Os aparelhos de ar condicionado do passado eram grandes, barulhentos e, acima de tudo, caros. Não fique aí pensando que se comprava uma máquina daquelas por menos de 1 salário mínimo, em 12 parcelas. Então, naqueles tempos, na canícula de um domingo como este 7 de janeiro, os seres humanos que habitam os trópicos eram diminuídos à categoria de mingau.


Assim sendo, em dias como esse eu só pensava em arrumar uma gorda. Daquelas que estão sempre com a roupa colada no corpo de tanto suor. Aquela gorda que se vc atirar debaixo de uma ducha fria, antes de secar o corpanzil, já está encharcada outra vez. Daí coloca ela cuidadosamente na cama, pra não quebrar e passa às preliminares, pra fazer a temperatura subir ainda mais. Quando os lençóis já estiverem pedindo pra serem torcidos e pendurados no varal, eu levanto, tiro a roupa e alerto: “tenta me segurar…”

Saio correndo e salto em cima dela, que a esta altura já parece uma barra de sabão molhado e, quando caio sobre a gorda, antes dela conseguir fechar os braços e me segurar, já deslisei por cima da pele suada da fofolete e me estabaquei no chão, do outro lado da cama. Tem momentos em que cair na gargalhada pode ser melhor que sexo, até porque um casal de gordos não deveria nem sonhar na prática disso com este calor porto-alegresco -a temperatura no Senegal no momento em que escrevo isto, é igual à que fazia aqui quando saí da cama, hj cedo.

E vc aí achando que gorda só servia pra peidar em elevador…